Mulher se Passa por Enfermeira e Sequestra Bebê em Hospital, Caso Completa 27 Anos sem Solução

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Por: G1

Retratos falados revelam a identidade da sequestradora

Desenhos foram feitos em 1997 durante a investigação, mas a mulher nunca foi identificada. Recém-nascido não foi encontrado e mãe luta para receber indenização milionária.

“Ela entrou vestida de branco e disse que queria levar o bebê para o berçário. Lembro dela desaparecendo na porta e, daquele dia para cá, eu não tive uma notícia sequer”, desabafou Kênia Almeida, mãe do bebê sequestrado.

A reportagem obteve o inquérito policial do caso, onde estão disponíveis os retratos feitos pelo desenhista criminalístico Francisco Raimundo, com base em descrições de mais de um informante, o que pode indicar a diferença de um rosto para outro. O primeiro desenho é de 8 de outubro de 1997, e os outros dois são do dia 13 do mesmo mês.

“Naquele dia, eu morri por dentro”, assim descreveu Kênia Almeida sobre o momento em que uma mulher sequestrou seu filho. Vestida de enfermeira, a mulher pediu para levar o bebê ao berçário para trocar a roupa. Desde então, a mãe não teve nenhuma notícia do filho e agora luta por uma indenização milionária que a unidade foi condenada a pagar.

“Tentei continuar, mas não consegui. Tentei viver. O fato de não ter nenhuma notícia e de nada acontecer [com o hospital] me destrói por dentro”, desabafou Kênia, emocionada. O pequeno Matheus Almeida foi sequestrado em 30 de agosto de 1997, quando Kênia tinha 17 anos. Desde então, a família acumula angústias, afinal, a polícia encerrou o inquérito por falta de indícios de autoria do crime. O processo criminal foi arquivado em 2002 por falta de provas, e nunca surgiram pistas sobre o menino ou a sequestradora.

“Tentei continuar. Tive outra filha, tive um relacionamento, mas dentro de mim nada muda. Desenvolvi problemas, transtornos e vício em remédios tarja preta porque eu não queria viver, não queria sentir a dor, não queria lembrar porque me dói. Me machuca o fato de não ter feito justiça”, lamentou.

O primeiro depoimento de Kênia à Polícia Civil foi em 2 de setembro de 1997, após o sequestro, quando ela detalhou o caso desde a gravidez. Ela contou que, em 1995, conheceu seu professor, que também era policial civil, e ministrava aulas de física e química. Na época, ele mantinha um relacionamento com outra aluna. Ocasionalmente, os três saíam juntos, e, depois de um tempo, Kênia percebeu que o professor estaria interessado nela, alegando que ele terminou com a outra moça, segundo o relato.

Eles tiveram uma breve relação, segundo Kênia, e a colega afastou-se dele. Na época, o homem era separado da esposa e morava com três filhas, além de ter duas filhas fora do casamento. Em meio ao caso, Kênia descobriu a gravidez com cerca de três meses de gestação.

“Minha mãe foi a pessoa que mais me apoiou. Ela cuidou bastante de mim, e eu tive uma gravidez tranquila”, relatou Kênia. No entanto, a reação do professor foi diferente. Após contar para ele que estava grávida, o homem disse que tinha um exame que comprovava que ele não poderia ter filhos. A ficha médica mostrava que o procedimento tinha sido realizado em 15 de julho de 1996. Em 29 de agosto de 1996, ele fez um exame que mostrou que ainda era fértil. Somente em 2 de janeiro de 1997 um novo exame mostrou que ele era infértil. Por isso, a esterilidade do professor só pôde ser comprovada nesta data, conforme o laudo.

O depoimento de um dos médicos da Santa Casa apontou que Kênia teve o filho em agosto de 1997, com 41 semanas de gestação. Com isso, a estimativa é de que a gestação teria iniciado-se no final de 1996, ou seja, quando o homem ainda era fértil.

Em depoimento, uma tia de Kênia contou que o professor pediu para a sobrinha abortar. Os pais da jovem o chamaram em casa e ele disse que ia esperar a criança nascer para comprovar se era filho dele ou não. Se fosse, ele se comprometeu a assumir a criança e cortou relações, conforme argumentou à polícia.

Os documentos mostram que o professor confirmou à polícia que se relacionou com Kênia e com a outra moça, mas negou que tenha pedido para ela abortar. Segundo o homem, ele não sabia sequer onde ela daria à luz e não acompanhou a gravidez. Na tarde de 29 de agosto de 1997, Kênia foi com a mãe, a avó e duas tias para o hospital, esperando o nascimento do filho. Ela contou que foi atendida por um médico diferente do que havia feito o pré-natal, foi internada e seguiu para a sala de cirurgia às 15h35. A cesariana foi realizada, Kênia viu o filho e foi levada para a enfermaria sonolenta devido à anestesia.

“Eu estava sentindo muita dor quando a anestesia passou. Então, subi para o quarto. Eles me levaram de maca e colocaram o bebê perto de mim. Fiquei com ele até umas 5 da manhã, não me recordo bem”, disse Kênia.

Na enfermaria, havia mais mulheres internadas. Uma enfermeira levou o filho para ela amamentar e a ajudou a fazer o menino “pegar o peito”. A enfermeira saiu e deixou o filho com ela.

“Lembro que eu não estava conseguindo amamentar. Eu tentei, mas não conseguia porque estava sozinha após a cesariana. É difícil se mexer e minha cesariana doeu muito depois que a anestesia passou”, relembrou Kênia. Por volta das 4h, o bebê começou a chorar e Kênia tentou amamentá-lo, mas ele não pegava o peito. Pouco depois, a sequestradora entrou no quarto e disse que queria levá-lo ao berçário para trocá-lo. A mãe disse que a agulha do soro havia saído e pediu à suposta enfermeira para trocá-la, mas a mulher disse que mandaria outro profissional para trocar o soro, pois levaria o bebê ao berçário.

Depois, outra enfermeira entrou na enfermaria e Kênia pediu a troca do soro e para ir ao banheiro. A profissional perguntou onde estava o bebê e Kênia contou que outra enfermeira o havia levado.

“A enfermeira perguntou: ‘cadê seu bebê?’, e eu falei que o levaram para o berçário. Ela disse que não. Aí começou o desespero”, descreveu Kênia. Nesse momento, a enfermeira percebeu que a criança não estava no berçário e detectou que se tratava de um sequestro.

“Quando falaram que tinham levado o bebê, eu fiquei sem chão. Eu me sinto culpada por ter entregue. Desapareceu em um segundo; quando ela pegou, eu ainda olhei, sabe? Por um minuto pensei em não entregar. Pensei em chamá-la de volta”, desabafou Kênia.

No depoimento, o homem apontado como pai do menino contou que um delegado ligou para ele no dia 30 contando do sequestro e, mesmo “sabendo que não era o pai”, se preocupou e foi ao hospital com a amiga de Kênia com quem ele se relacionava. À polícia, a moça confirmou as mesmas informações ditas pelo professor. Relatos dos funcionários e da própria Kênia, feitos na época, apontaram que a mulher que sequestrou o menino tinha, em média, 1,65 metro de altura, era morena e tinha olhos castanhos. No momento do crime, ela usava trajes brancos e óculos.

A perícia fez diversos retratos falados, mas a mulher nunca foi identificada.

Tomada por um sentimento de vazio, Kênia lembra que sofreu quando saiu do hospital sem o filho, após cerca de dois dias de internação. Para ela, é uma ferida que sangra, mesmo após mais de duas décadas.

“Eu deixei o enxoval guardado durante muito tempo porque eu não queria me desfazer dele de jeito nenhum, mas eu não podia ficar com ele, ia desgastar, então eu dei para a minha filha em 2006”, disse Kênia. Sem rumo após o sequestro, Kênia se viu viciada em remédios, com transtornos psicológicos, e precisou ser internada em clínicas psiquiátricas várias vezes. “Ela não consegue ficar sem remédio hoje, já chegou a tomar mais de 40 comprimidos. Ela não consegue nem trabalhar”, contou Kelly Almeida, irmã de Kênia.

“De 1997 até 2016, eu passei por tudo sozinha. Eu chorava todos os dias quando minha família ia trabalhar. Lembro que eu chorava a tarde inteira. Quando eles estavam chegando, eu limpava minhas lágrimas. Não queria que eles vissem que eu estava sofrendo tanto”, relatou Kênia.

No ano em que a situação de Kênia se agravou, sua filha tinha 12 anos. Segundo Kênia, até a filha sofre ao vê-la triste. “Imagine você passar uma vida inteira se perguntando onde está, com quem está, se está bem, se está mal, se come… Sangra. E vou à psicóloga, psiquiatra, tomo remédios, troco para outros remédios e assim vou vivendo”, pontuou.

“Até assistir novelas que têm essa temática eu não consigo porque me faz relembrar. E quando eu revivo tudo aquilo, me machuca muito. Reviver tudo aquilo e saber que eu não pude fazer nada. Você se sente impotente, porque eu não tenho como fazer nada, só a Justiça”, finalizou.

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